sábado, 29 de janeiro de 2011

Especialistas abordam impactos da proibição do amianto

"Apesar da omissão do governo federal, na última década o país avançou no processo de capacitação e substituição progressiva por fibras alternativas, com opções seguras que atendem tanto às especificações tecnológicas quanto às de proteção da saúde humana e do meio ambiente". É o que explicam Ana Lucia Gonçalves da Silva e Carlos Raul Etulain durante a entrevista que concedida por email à IHU On-Line, sobre os impactos econômicos da proibição do uso do amianto no Brasil. "Falta ao país uma legislação nacional que proíba claramente o uso de todo tipo de amianto, como já o fizeram quatro estados brasileiros: Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo", defenderam.

Ana Lucia Gonçalves da Silva é doutora em Ciência Econômica pela Universidade de Campinas. Atualmente, é professora no Instituto de Economia desta instituição. Carlos Raul Etulain é graduado em Economia pela Universidad Nacional de Rio Cuarto (Argentina), com mestrado em Ciência Econômica e doutorado em Ciências Sociais pela Unicamp, onde atualmente é professor.


IHU On-Line - Quais foram as principais descobertas do estudo realizado pela Unicamp a respeito do amianto?

Ana Lucia e Carlos Raul - Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a pesquisa realizada pela Unicamp, além de ampla revisão bibliográfica dos estudos existentes, se apoiou em um minucioso levantamento dos dados estatísticos disponibilizados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM.

Foi realizado um grande esforço de construção de séries estatísticas de variáveis importantes para a análise econômica: produção, exportação, importação e consumo interno. No caso dos dados de produção, procurou-se identificar o seu destino (para exportação e para consumo interno) e, no caso do consumo interno, identificou-se a origem do atendimento (parcela do consumo atendido por importação e parcela atendida por produção interna). Tudo isso, exigiu um trabalho cuidadoso com as estatísticas disponibilizadas pelo DNPM em suas diversas publicações, que, aliás, frequentemente apresentam dados discrepantes.

Estes esclarecimentos são importantes para se entender a relevância das descobertas que os dados permitiram revelar, entre as quais se pode destacar: o grupo Eternit é o maior consumidor brasileiro da fibra de amianto nacional (produzida pela sua empresa coligada, a Sama Minerações Associadas). Esse grupo responde por aproximadamente 44% do consumo interno de amianto. Como não realiza importações desta fibra, toda essa demanda é canalizada e atendida pela Sama. Desta forma, estima-se que cerca de 64% da produção da Sama destinada ao mercado interno refere-se a consumo cativo do próprio grupo Eternit.

Em outras palavras, o grupo Eternit, além de detentor do monopólio na produção da fibra de amianto no país, é também seu principal consumidor. Estas considerações reforçam o papel central do grupo Eternit na viabilização do necessário banimento do amianto no Brasil, que vem sendo postergado há tantos anos. Sua responsabilidade neste processo aumenta ainda mais, quando nos lembramos que foi o grupo belga Eternit o primeiro a banir o amianto dos seus produtos no mundo. De fato, no início dos anos 1980 a Eternit (Bélgica) foi pioneira no movimento pela substituição do amianto, decidindo abolir o uso dessa fibra até 1990 e substituí-la por outros produtos, especialmente petroquímicos sintético

Antes disso, em 1976, prevendo o banimento, a Eternit belga criou o programa Nova Tecnologia (NT) com o objetivo de se adaptar aos novos tempos. O grupo investiu pesado na substituição do amianto em suas 32 fábricas em todo mundo. Dois anos depois já vendia produtos sem amianto na Europa, utilizando produtos petroquímicos sintéticos.

Infelizmente, com a venda da filial brasileira para novos donos (brasileiros), a mesma postura não foi assumida no Brasil, mas mostrou que é possível, em prazo relativamente curto, promover as adaptações necessárias à substituição do amianto por fibras alternativas. Realizadas de forma pioneira nos anos 1980, estas adaptações são hoje em dia relativamente simples, podendo ser efetivadas em menor período de tempo.


IHU On-Line - Por que o amianto continua sendo usado até hoje se, desde a década de 1950 sabe-se sobre seu potencial carcinogênico?

Ana Lucia e Carlos Raul - A resposta a esta pergunta permite apontar outra descoberta importante da pesquisa da Unicamp. O debate sobre o banimento do amianto no Brasil vem se arrastando, em boa medida, porque o grupo líder desse mercado foi construindo progressivamente uma estratégia apoiada na relevância de seu próprio consumo cativo. Por outro lado, se apoiou também na inserção crescente em mercados constituídos por países periféricos que ainda permitem o uso do amianto e cujas condições de trabalho são extremamente precárias.

De fato, o grupo brasileiro Eternit, ao invés de abandonar o amianto como matéria-prima e apostar no uso de materiais substitutos, optou por ignorar os efeitos à saúde e ambientais provocados pelas fibras do amianto e participar ativamente do movimento em defesa do "uso controlado". Ao mesmo tempo, à medida que se contraía o consumo interno de amianto, o grupo buscou expandir suas vendas para países que ainda não o aboliram.

Claro que, como detentor do monopólio na produção da fibra de amianto no país, o grupo Eternit manteve-se produzindo artefatos de fibrocimento fazendo uso dessa fibra, sendo inclusive seu principal consumidor local, mas sem deixar de dar os passos necessários para capacitar-se e efetivamente participar do mercado de produtos de fibrocimento sem amianto.


Fonte: IHU On–line

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